VISITANTES

terça-feira, 19 de março de 2013

A Experiência Perceptiva do Deficiente Visual

A EXPERIÊNCIA PERCEPTIVA, O CORPO E A PESSOA DEFICIENTE VISUAL
Elcie F Salzano Masini - Universidade de São Paulo

Este trabalho diz respeito à busca e delineamento de um caminho para a educação da pessoa deficiente visual a partir da análise bibliográfica especializada que mostrou ser seu desenvolvimento e aprendizagem definidos a partir de padrões adotados para videntes, bem como instrumentos de avaliação e propostas educacionais tem como pressuposto o "ver" que não levam em conta as diferenças de percepção dos que não tem como sentido predominante a visão.
Historicamente o "conhecer" faz-se com o "ver" e o "ver" é condição para o "conhecer". Esta constatação coloca em evidência a situação da pessoa deficiente visual de pertencer a uma cultura na qual o "conhecer" confunde-se com uma forma de percepção que ela não dispõe, condição intensificada por uma sociedade onde tudo se mostra ao olhar e é produzido para ser visto. 
Como então saber sobre o deficiente visual, sua percepção e sua cognição para orientá-lo educacionalmente?
Merleau-Ponty (1971) ao tomar a percepção como conhecimento que se dá no corpo, nas relações de significação com o que está ao redor, apontou um caminho para esta questão. A fenomenologia existencial oferecia uma possibilidade para essa busca, evidenciando a função primordial pela qual fazemos existir o objeto e o espaço, descrevendo o corpo enquanto se dá essa apropriação.
Assim, embora ficasse respondido que conhecer não é ver, um permanecia como condição do outro. Mas não seria possível pensar de outra maneira? Por que não perguntar como é o pensar daquele que não é vidente? Como se dá o conhecimento na ausência da visão?
Junto a crianças que não dispunham de visão, esta pesquisa buscava acompanhar e registrar a espontaneidade das relações, percebendo as características do pensar, sentir e agir de cada criança. Procurava-se registrar como estas crianças, nas suas relações, manifestavam a própria maneira de perceber e organizar-se, como suscitava seu interlocutor, deficiente visual ou vidente, a compartilhar do que fazia e pensava.
As atividades desenvolvidas emergiam do grupo, não havendo situações impostas ou que estimulassem repetições de comportamento. Assim, havia uma participação espontânea, cada criança se comunicava com o outro para realizar o que havia sido decidido com o que dispunha de seus sentidos, de seu modo próprio de pensar e agir.
Vê-las propondo alternativas e integrando-se num grupo, fazendo uma atividade e discutindo com outros permitia pensar como isso de dava? Mas era um ponto importante a ser considerado sobre o deficiente visual, seu perceber e seu conhecer.
Em Fenomenologia da Percepção Merleau-Ponty fala de conteúdos particulares e formas de percepção. Os conteúdos são dados sensoriais (visão, tato, audição) e a forma é a organização desses dados que é fornecida pela função simbólica.
Por meio da dialética forma e conteúdo os dados sensíveis recebem um sentido original, assim, entre o corpo e a consciência não existem relações de dependência mas de reciprocidade.  A consciência consiste em estar nas coisas por intermédio do corpo. A experiência do corpo faz cada um reconhecer os sentidos em que as diversas funções desenvolvem-se dialeticamente.
Quando as funções estão dissociadas, o sujeito não dispõe de abertura para o mundo que o rodeia. Sem outras possibilidades o sujeito está fechado no imediato que o cerca, tem pensamento e percepção conservados mas dissociados. Dispões de funções mas os dados sensoriais aparecem fragmentados.
No caso do deficiente visual, ele tem a possibilidade de organizar os dados como qualquer outra pessoa e estar aberto para o mundo, em seu modo próprio de perceber e relacionar-se. O que o deficiente visual tem é uma dialética diferente devido ao conteúdo não visual e à sua organização cuja especificidade refere-se ao tátil, auditivo, olfativo e cinestésico.
Os sentidos traduzem-se uns aos outros sem necessidade de um intérprete ao fazerem do corpo o sujeito da percepção. Cada órgão dos sentidos interroga o objeto à sua maneira. Falar de percepção é falar do corpo, que é o instrumento geral da compreensão.
Baseado nesses fundamentos, realizou-se a investigação sobre o perceber e o relacionar-se da criança deficiente visual em situações educacionais. A análise dos dados mostrou que:
- nos momentos de espontaneidade a criança deficiente visual mostrou sua maneira própria de perceber e organizar aquilo com que lidava
- compartilhando atividades, as crianças discutiam suas experiências perceptivas e a própria maneira de cada uma realizar as atividades, enriquecendo suas possibilidades de perceber e conhecer
- as crianças deficientes visuais organizavam informações e revelavam-se criativas, quando as condições oferecidas pela professora consideravam  sua forma própria de explorar os objetos e relacionar-se com seu derredor.
O desafio às vias do próprio conhecimento, no que este se diferencia dos que se situam no mundo sem a visão, tem tornado claro que penetrar no mundo percebido pelo deficiente visual, particularmente nos casos de cegueira congênita ou adquirida nos primeiros anos de vida, é tão difícil quanto fazê-lo perceber o mundo, como o vidente o faz. Experienciar estes limites tem constituído, por sua vez, condições para o encaminhamento de novas buscas de recursos, para que o portador de deficiência visual desenvolva suas próprias possibilidades de perceber, se relacionar, pensar e agir com autonomia.

Bibliografia para consulta:
Chaui, M (1998) Janela da Alma, Espelho do Mundo: Editora Schwarer Ltda, SP.
Masini, E F S (1994) O Perceber e o Relacionar-se do Portador de Deficiência Visual - CORDE, Brasília.
Merleaus-Ponty, M (1971) Fenomenologia da Percepção, SP: Freitas Bastos (original publicado em francês em 1945).

Nenhum comentário:

Postar um comentário